terça-feira, maio 08, 2007

Estava só em seu quarto.
A luz estava apagada e um frio com calor dominava-a a ponto de alternar o uso do cobertor de meio em meio minuto. Se remexia de um lado para o outro, virando de barriga para cima e para baixo, como se fosse um bife assando na panela. Mas o que realmente a incomodava não era o seu estado físico. Na verdade, isso era uma consequência de seus pensamentos fúnebres. Acabara de presenciar um assassinato ideológico!
Não conseguia se conformar com a incisiva crueldade com que aquele cara fora discriminado! Tudo que ele queria era fazer parte do festival, contribuir com suas idéias, mas fora boicotado. Uma gosma de mal estar preenchera-a a ponto de nada mais importar, a não ser aquele episódio discreto no canto de um palco. E ela, uma ilustre desconhecida, recém-chegada, nada pôde fazer. na verdade, até poderia ter feito, mas não teve coragem. Assistiu ao anti-espetáculo calada, anônima. Mais uma pessoa culpada da discriminação.
Se levantou, acendeu a luz do quarto, ensaiou alguns rabiscos num papel. Não conseguiria desenhar, isso estava claro. Resolveu, então, escolher um livro de que gostasse muito, que provavelmente leria pela décima vez, senão mais. Prescrutou as prateleiras com os olhos, mas não se interessou por nada. Mesmo assim, pegou Morangos Mofados, do Caio Fernando Abreu. Leu o primeiro parágrafo da primeira crônica, e imediatamente parou. percebeu que não aguentaria ler aquilo sem querer se suicidar. "Merda de depressão! Esse cérebro recorrente não me deixa em paz!"
não conseguia parar de lembrar de fatos ocorridos há muito tempo atrás, que a torturavam profundamente. Ligou o som, pôs um cd do Smashing Pumpkins, apagou a luz e deitou de novo. Os olhos arregalados denunciavam um cérebro operante a zilhões de pensamentos por segundo, sentimentos, ebulições de desespero! "Isso tem que acabar! Não aguento mais!" tentou se forçar a pensar em coisas boas, no presente, nos quadros que pintava, nas cores de suas histórias favoritas, mas estava dominada. Se sentia preenchida com aquilo, de uma forma insuportável! Parecia que todos os demõnios existentes decidiram dançar e gritar em volta dela, ao embalo da distorcida poesia infernal. Ela queria silêncio! Queria parar de pensar, parar de sentir.

Gritou. Gritou e chorou até não poder mais, pensando nas músicas que não tocara, nas exposições que não fizera, nos amigos que não conhecera. Pensou nas palavras que não disse, nos textos que não escrevera, na vida que não vivera, e percebeu.
Percebeu que tudo aquilo era em vão, que estava esquecendo das coisas que fizera, e que o mundo era uma mera interpretação de seu cérebro. Percebeu, então que era jovem, muito jovem. E que tinha muito o que aprender e muito auto-controle a adquirir.
Percebeu que era amada, e que não estava só. Ela tinha a si mesma e a todas as coisas boas que adquirira na vida. Aos poucos, fora se acalmando. Percebendo as cores com que pintara seu quarto, viu as cores que pertenciam à sua vida. Viu que possuía tudo, do mesmo jeito que tudo a possuía, de um jeito equilibrado e perfeito.

Foi ficando com sono, pois estava cansada. Desperdiçara toda a sua energia em pensamentos maus e puramente imaginativos, inspirados em fatos que ninguém mais se lembrava.
Contudo, apesar de se controlar, ainda se sentia triste. O que ela viu foi real. O Homem Discriminado ainda existe.
Só porque usava uma roupa diferente, e tinha uma aparência diferente, não pôde participar de um evento CULTURAL!
Só pode ser a natureza humana, mesmo.. Tem que encontrar defeitos nos outros pra se auto-afirmar. Tem que se sentir superior pra se sentir alguém.

e... bla.

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