Buñuel
Cinema: Instrumento de Poesia.
O Cinema é, para Buñuel, um instrumento de libertação mental, de subversão da realidade, ao mesmo tempo em que amplia essa realidade, com o uso de símbolos do subconsciente, para retratar melhor emoções.
Nele há a maior desproporção entre possibilidade e realização de todas as artes. O cinema é mal explorado, de acordo com Buñuel, pela maioria de seus realizadores, que insistem em meramente reproduzir a realidade tal como ela é, usando temas pobres e já muito explorados.
O cinema proporciona um habitat psíquico que resulta numa profunda imersão do espectador na obra cinematográfica, mas “as telas se comprazem no vazio moral e intelectual”, ao invés de explorar temas subversivos e que causem reflexão da condição humana. Ele diz que “uma pessoa de cultura mediana desprezaria qualquer livro que contivesse um dos argumentos que são apresentados nos principais filmes. Entretanto, confortavelmente instalada numa sala escura, fascinada pela luz e pelo movimento que exercem sobre ela um poder quase hipnótico, seduzida pelo interesse do rosto humano e das fulgurantes mudanças de lugar, essa mesma pessoa quase culta, aceita placidamente os temas mais desprestigiados.”
Ao invés de nos fazer refletir, os cineastas evitam temas polêmicos para nos fazer esquecer “as horas de trabalho”, e usando temas que seriam o prolongamento da nossa vida comum, primando pelo nosso conforto intelectual, em contraponto à nossa reflexão crítica.
Buñuel diz, também, que o bom cinema é raramente visto na lista dos sucessos de público e de crítica. Diz ele que “a essência cinematográfica brota insolitamente de um filme medíocre, de uma comédia bufa ou de um folhetim tosco.”
Também diz que “em todo filme a poesia cinematográfica luta para vir à tona e se manifestar”, ou seja, na maioria dos filmes há pelo menos um momento em que aparece alguma poesia, e que só valem a pena os mesmos cinco minutos de um filme considerado muito bom e outro considerado muito ruim.
Por imergir o espectador em seu mundo, em sua diegese, induzindo emoções mesmo que passageiras, o cinema é uma arma poderosa nas mãos de um espírito livre. Ele tem a capacidade de inspirar um sentimento passional em qualquer âmbito, seja político, seja artístico, ou qualquer outro.
“O cinema parece ter sido inventado para expressar a vida subconsciente, tão profundamente presente na poesia; porém, quase nunca é usado com esse propósito.”
Buñuel, ainda, faz uma crítica ao neo-realismo: diz que suas únicas contribuições foram enriquecer a linguagem do cinema e ter elevado o quotidiano ao nível do drama, citando uma cena do filme “Umberto D”, que mostra dez minutos do cotidiano de uma empregada doméstica, e de forma que cause curiosidade e suspense por parte do espectador.
Ele fala que o neo-realismo nada fez além de recortar pedaços de situações reais e corriqueiras e montá-las em filmes que retratam uma realidade incompleta e racional, “absolutamente desprovida de poesia, mistério e tudo o que completa e amplia a realidade tangível”, excetuando o filme “Ladrões de Bicicleta”.
“O fantástico não existe, tudo é real”, eis uma frase que resume o que Buñuel quis retratar em seu texto. Para ele, o cinema deve ampliar a realidade, a explicar metaforicamente, mas com o propósito de retratá-la com mais precisão, e não dissolvê-la na incompreensão.
Ele diz que luta por um cinema que “me dará um visão integral da realidade, ampliará meu conhecimento das coisas e dos seres e me abrirá o mundo maravilhoso do desconhecido, de tudo o que eu não encontro no jornal nem na rua.”
Edgard Morin
Inclusão: verdade da literatura.
Morin fala que o conhecimento científico específico limita o ser humano em partes, se contrapondo a todo o universo que ele é. A literatura, por outro lado, comporta todas as dimensões humanas, o tratando como algo complexo, de muitas facetas.
A ciência determinista o vê como uma máquina trivial, um objeto a ser dissecado. A literatura vê o conjunto, e como ele se comporta no meio. Ela usa a linguagem da vida, pois a retrata.
Ao contrário da ciência determinista, ela é abrangente e subjetiva. Ela aborda o humano em sua complexidade, principalmente, e também em sua personalidade e subjetividade. Ela, também, mostra uma visão compreensiva do ser humano considerado “desprezível”, explica sua condição marginalizada.
O entendimento do homem como um ser complexo, completo, é importante porque a ciência o vê como um ser prosaico, mutilado, e esquece do principal: sua relação com a demência, com a loucura.
Homo sapiens
“Não existe uma razão pura, abstrata. Sempre há a participação da emoção na razão. O homem não consegue se dissociar da razão.”
Emoção >> paixão >> delírio >> loucura
Loucura é o problema central do homem (sobretudo do homem e um pouco da mulher)
Poder, ambição, jogo, ciúme são coisas que causam loucura no ser humano. Esses são os temas de grandes obras.
Homo faber
O homem como trabalhador. Nessa definição, esquece-se do homem com imaginário, com sonhos, com mitos. Nela, esquece-se que ele necessita desse imaginário, da novela, para ver sua própria realidade.
As grandes obras-primas criam mitos que fracassam com a criação das forças desenfreadas de destruição.
Homo economicus
O ser humano como apenas um desenvolvedor de negócios com fins lucrativos,uma das necessidades do homem no mundo moderno
A riqueza da literatura é juntar a linguagem lógica racional com a analógico-simbólica. Ela une o indivíduo com a sociedade. Ela inclui o invisível da sociologia, a pessoalidade. Mostra sua imprevisibilidade.
Adorno: “A literatura é, em si mesma, conhecimento do homem, da sociedade, não o instrumento aplicado de uma psicologia ou de uma sociologia.” Ela inclui o invisível da sociologia, a pessoalidade. Mostra o indivíduo humano, com sua complexidade, exige a imprevisibilidade de alguns atos humanos. Mostra a instabilidade da personagem(sua multiplicidade interior: mentir pra si mesmo).
A literatura mostra que cada pessoa é um cosmos de sonhos, de desejos... única e rica, mesmo que aparentemente vazia e frívola.
A realidade vista de fora a torna mais suportável, pois nos desliga da nossa, ao mesmo tempo em que nos dá uma visão mais objetiva dela. Nos faz ter uma visão mais abrangente da mesma, pois nos faz vê-la de um outro ângulo.
Morin fala que ir às salas de cinema é um paradoxo, porque nos desligamos da realidade, mas de um jeito muito singular. Nós nos desligamos da nossa realidade, mas submergimos em outra, conhecendo um novo universo quase como se fosse nosso. “despertos, dormimos”, de acordo com Heráclito, o que sintetiza tanto o fato de “dormirmos” quando estamos observando alguma obra ficcional quanto o fato de estarmos “dormindo” na nossa própria realidade, sempre semi-conscientes.
Na medida em que a novela dá uma forma mais impessoal à intimidade humana por meio da ficção, ela transforma tragédias em arte, em conhecimento. Ficção, novela, teatro, faz com que os seres humanos compreendam um ao outro.
“Tornamo-nos humanos com a inclusão dos excluídos.”
Todas as formas de arte provocam o subjetivismo da nossa mente, estados poéticos, porém temporários. Depois nossa mente volta ao estado normal. Por isso a arte deve ser uma constante em nossas vidas, pois elas nos alimentam de algo finito, que nos causa fome depois.
“Em todas as obras-primas, eu repito, há um cosmos, uma riqueza multidimensional de sensibilidade, de conhecimento e, também, de pensamento.” E em todos os campos artísticos: música, pintura, cinema, literatura... Todas mostram o universo mental do artista que as criou, idéias novas, polêmicas, que geram reflexão.
Glauber Rocha
Eztetyka da Fome
De acordo com Glauber Rocha, os países desenvolvidos têm uma fome pelo primitivo, pela miséria, mas não de uma forma positiva. É uma mera curiosidade pelo exótico. E nem o homem do mundo subdesenvolvido mostra intrinsecamente essa miséria(por vergonha), nem o homem o europeu a compreende profundamente(por descaso).
No Brasil, a arte atrai o interesse do europeu na medida em que mata sua sede de primitivismo. Além disso, ela é limitada, de certa forma, pois os artistas tendem a tentar copiar uma estética falida e vazia, da arte clássica. Eles tentam fazer reproduções, coisas inspiradas naquilo, mas sai uma coisa grotesca e sem o menor sentido. Arte, para Glauber, é algo a subverter a mente humana, a passar uma mensagem, a chocar.
Em sua colonização de exploração, a América Latina desenvolveu problemas sociais de desigualdade, principalmente, e dependência dos países colonizadores, o que até hoje em dia ainda ocorre, caracterizando-a. A única coisa que muda, diz Glauber, é a forma do colonialismo. Antes, de Portugal. Atualmente, da América do Norte.
Essa condição, diz Glauber, “nos levou ao raquitismo filosófico e à impotência, o que no primeiro caso gerou a esterilidade e no segundo caso a histeria.”
Esterilidade: exatamente o ponto da arte clássica falida que as pessoas tentam reproduzir. Reprodução fiel de coisas, vazias, sem significado, mortas. O mesmo que Buñuel fala. No cinema, histórias medíocres. Nas artes plásticas, paisagens levemente belas. “Artistas que não despertaram do ideal estético adolescente”, que geram todo um mercado e grandes nomes do vazio “artístico”.
Histeria: a indignação social provoca arte intensa, cheia de sentimentos, mas com pouca mensagem, o que gera a compreensão não pelo discurso eloqüente, mas pelo paternalismo colonizador, de uma forma indigna, sentindo pena e vendo como um ser inferior que merece cuidado, e não respeito.
Daí o cinema novo surgir de uma forma original: mostra a fome latina, suas dores, seus conflitos, de uma forma humanizada a tal ponto que é sentida pelo espectador por meio da imersão do consciente no cinema.
Tendo sido criticado pelo governo, pois mostra uma realidade crua, feia, de personagens semimortos de fome, comendo qualquer coisa pra sobreviver, se revoltando contra um sistema cruel, escravista, ou meramente sofrendo dentro dele. “Para o europeu, é um estranho surrealismo tropical. Para o brasileiro é uma vergonha nacional. Ele não come, mas tem vergonha de dizer isto; e, sobretudo, não sabe de onde vem esta fome. [...] Somente uma cultura da fome, minando suas próprias estruturas, pode superar-se qualitativamente: e a mais nobre manifestação da fome é a violência.”
Para o cinema novo, o comportamento de uma pessoa que passa fome é a violência, e isso não é primitivismo, é instinto. É revolucionário na medida em que conscientiza o colonizador da existência do colonizado, que mostra uma existência miserável profunda, dolorosa, não mais mascarada de “vida simples, mas feliz”.
O cinema novo existe para mostrar a realidade, “para enfrentar os padrões hipócritas e policialescos da censura”. Qualquer pessoa pode fazer um filme assim, desde que esteja disposto a romper com as convenções e limites impostos pela sociedade às manifestações artísticas, saindo desse padrão de beleza vazia e adentrando no campo da reflexão, da revolta, da subversão.
“O cinema novo se marginaliza da indústria porque o compromisso do cinema industrial é com a mentira e com a exploração. A integração econômica e industrial do cinema novo depende da liberdade da América Latina”, visto que ela luta exatamente contra o não marginal, contra o convencional, contra o “certo”, e pela liberdade.
Pontos convergentes entre os textos:
Os três textos falam sobre o cinema e as artes em geral como formas de protesto, de revolução, de busca pela liberdade em todos os âmbitos. Como um instrumento de luta pelos ideais em que o artista acredita. Outro ponto em comum, que é um desenvolvimento dessa primeira idéia, é a de que a arte sem poesia, sem uma idéia a ser passada, acaba por entorpecer o espectador, não lhe faz pensar, refletir, ver seus problemas e sua vida de uma forma mais ampla. É uma forma de negar conhecimento, novas idéias, na medida em que você lhe mostra algo que não soma nada à sua vida.
Outro ponto em comum dos três textos é o fato de eles dizerem que a arte convencional, acadêmica, tem pouca probabilidade de trazer algo positivo às nossas vidas, de trazer algo que realmente importe.
-censura:
Os três textos falam também sobre mostrar o homem marginalizado, desprezado pela elite, como uma forma de melhor compreendê-lo, ver suas facetas, ver que ele também é um ser humano, e isso traz compreensão entre as pessoas.
Morin e Bunuel: Poesia
Pontos divergentes entre os textos:
Glauber é mais político e menos poético. Ele vê a importância maior nos fatores sociais.é claro que sem esquecer da sensibilidade e subjetividade do cinema,mas com outro foco,mais localizado nas relações sociais.Não se pode esquecer que são diferentes períodos e realidades entre os dois textos
A diferença primordial entre os três textos, mais espeficicamente Buñuel-Morin e Glauber Rocha é que Glauber é mais político, e vê a transformação das mentes humanas a partir do cinema como uma coisa mais revolucionária, social, mesmo, enquanto os outros dois vêem essa transformação, essa subversão, de forma mais subjetiva. Isso acontece porque a situação política e social de Buñuel e Glauber é completamente diferente. Um vem de um país desenvolvido, com idéias menos políticas, apesar de tão revolucionárias o quanto, enquanto o outro vem da miséria da fome sertaneja, das minorias, e quer mudar a situação política do país.
quarta-feira, dezembro 09, 2009
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