quarta-feira, novembro 23, 2011

Ao meu pai.

Pai,

Uma das lembranças mais antigas que eu tenho da gente, acho que eu não tinha mais de 5 anos, e você, mais de 28, foi de uma vez que você me levou pra praia, como fazia quase todos os dias. Eu lembro que você estava comendo caranguejo numa mesa muito perto do mar e eu fui passear pela areia e tomar banho na beirinha. Me distraí e quando te procurei, não te achei mais.
Apesar do meu medo, eu pensei que de nada adiantaria chorar e me desesperar. Respirei fundo e fui na mesa mais próxima pedir ajuda a estranhos pra te achar. Quando eu estava conversando com eles, você apareceu, rindo, e disse: eu tô aqui, minha filha.
Eu te abracei e você me pegou no colo. Você nunca tirava os olhos de mim, em qualquer lugar. Acho que naquela época, eu era a coisa mais importante da sua vida.
Nunca me perdi sem que você me achasse. Eu me sentia tão segura, tão confiante de que qualquer coisa que pudesse acontecer, você estaria lá pra me pegar no colo, me abraçar e dizer "eu tô aqui".
Eu era uma criança arrogante, mandona e mimada. Eu que dizia as brincadeiras que todos iam brincar, eu tinha os brinquedos mais legais, eu tinha o mundo que você me deu de presente. Generosidade foi uma das minhas primeiras lições, e aprendi com você. Eu tinha as Barbies e minhas primas, não. Aí, eu pegava e dava pra elas, como você fazia com qualquer coisa que seus amigos precisassem. Apesar de a Tia Janeide devolver toda vida, o gesto de uma criança se desfazer de um brinquedo querido pra ver outra feliz me mostrou como a felicidade do próximo era importante.
Ao mesmo tempo que o mundo era meu, eu queria que todo mundo fosse feliz como eu era. Como você me fazia ser.
Daí, fui crescendo e aprendendo lições mais duras com pessoas bem menos amáveis do que você. Pessoas que infelizmente jamais saíram do convívio do que eu antes chamava de família.
Bem, não importa. Com os anos, fui perdendo minha coroa e esse foi o lado positivo de tudo. Eu percebi que o mundo não era seu pra me dar assim, como você tinha feito, e aprendi a importância do outro. Aprendi que minha vontade não era a vontade absoluta, e que as pessoas são diferentes.
Apesar do aprendizado, foram tantas tristezas, pai. Tantos mal entendidos, tanto rancor, tanto ciúme dirigido a mim, por minha causa, pelo fato de eu existir!
E eu entendo o porquê, eu consigo lembrar as peças do adversário se movendo em direção ao cheque-mate. Eu consigo entender cada sentimento por trás daquela forma de lidar com as coisas. E eu me ressinto. É claro que eu tive uma grande parcela de culpa naquilo tudo, mas minha culpa foi inocente. Eu contava você como garantido, eu achava que nada que eu fizesse poderia te tirar de perto de mim. Mas eu errei. Eu calculei mal. Até hoje a sensação dos seus olhos me reprovando não saiu de dentro. Sob a sua perspectiva, eu sei, não sou muito legal.
Mas poxa... Você é meu pai. Você deveria me aceitar acima de tudo... ou não?
Piercings, roupas, música... De que tudo isso importa, se eu conservo a essência? Porque você acreditou naquelas palavras distorcidas pelo rancor, quando poderia apenas olhar para sua filha e ver?

Bem, pai. Naquele dia, eu não chorei. Aquele dia na praia foi realmente desesperador. Os minutos em que eu vasculhei a orla com o olhar e não te encontrei, fiquei com medo. E você apareceu.

Mas hoje eu sei que estou mais uma vez perdida na praia, esperando você voltar pra mim. E eu também sei que dessa vez, isso não vai acontecer. Esse momento é como uma foto... Outros virão, mas essa imagem vai ficar eternamente gravada na minha mente. A imagem de que você me deixou anos na praia, esperando. A sensação de que você não estava mais me observando de longe, cuidando de mim. A sensação de que você parou de se importar.

Eu realmente me sinto abandonada por você. Quando eu precisei, você não veio. Quando eu chorei, você não estava aqui pra me dizer que tudo ia ficar bem. E esse momento passou.

Eu lembro dessa história da praia, porque eu vejo: desde criança eu sou forte. Desde criança, eu tento resolver as coisas antes de me desesperar. E quando eu me desespero, mesmo que eu esteja com a alma em frangalhos, despedaçada, desfigurada pela dor, eu penso que minha vida só vai poder ficar melhor. Em algum momento, vai ser triste, como agora, mas os momentos bons virão.

É uma pena, mesmo, que você não esteja aqui pra ver a pessoa que eu me tornei, ou a pessoa que eu poderia ter me tornado se você não tivesse partido pra esse seu mundo tão dissonante do meu.

Dinheiro, dinheiro, posses, estilo de vida. Pai, você é o típico homem-massa. Se liberte. E me liberte de você.

Não quero mais sofrer.

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